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segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Noé em plena forma

Já faz alguns meses que abandonei os textos comentando filmes que assisti recentemente ou que gosto muito. Talvez as pesquisas acadêmicas tenham direcionado minhas leituras e meu tempo para assuntos que apesar de muito interessantes e importantes, não possuem relação (ao menos evidente) com a sétima arte. 

Assisti filmes e documentários excelentes nesse meio tempo, muitos deles essenciais à compreensão da arte cinematográfica e do contexto social contemporâneos. Prometo falar sobre eles em uma próxima oportunidade.

Na verdade, o motivo que de fato me levou a retomar os escritos sobre cinema foi uma obra prima, que assisti há poucos dias: o filme Enter the Void, de Gaspar Noé. Apesar da falta de tempo e do envolvimento com outros temas, não pude parar de pensar no filme desde que o assisti.  Pareceu-me impossível silenciar a respeito de algo tão inusitado e genial. Tudo na película é extasiante, desde os créditos iniciais (que segundo Tarantino estão dentre os melhores da história do cinema) até a última cena. Características, por óbvio, típicas de um bom Gaspar Noé.

Embora  tenha o  descoberto  apenas no inicio de 2012, a estréia mundial de “Enter the Void” se deu em meados de 2009, apos ser apresentado nos festivais de Cannes, Sundance e Toronto. O filme, utilizando-se de alguns recursos de Flashback, nos mostra a história de Oscar e sua irmã Linda, cujas vidas foram marcadas por episódios trágicos (morte dos pais em um brutal acidente de carro, encaminhamento dos irmãos para orfanatos diferentes) e “desviantes”,  (Oscar, além de viciado, acaba por se tornar traficante de drogas e Linda, polydancer),  que resultaram no acontecimento principal do filme: o assassinato de Oscar na cidade de Tóquio (cidade em que mora há algum tempo com sua irmã), que simboliza o marco inicial de uma extasiante e derradeira viagem em conjunto com o expectador por seu além/pós morte.

Lendo um pouco sobre o assunto, verifiquei que existem várias especulações afirmando que o diretor franco-argentino pretendeu personificar no filme o “ Livro Tibetano dos mortos” (emprestado a Oscar por seu amigo Alex, logo no inicio do filme) que, em resumo bem leigo, defende a existência de vida após a morte e a possibilidade de morrer de forma consciente  e proveitosa para o despertar espiritual. O livro, a contragosto dos estudiosos, é comumente associado a experiências psicodélicas resultantes do uso das mais diversas drogas, fato que fica bem evidente durante todo o filme.  Antes de morrer, Oscar tem uma breve conversa autoexplicativa sobre o livro com seu amigo Alex, que afirma que os ensinamentos descritos no “Livro tibetano dos mortos” podem resultar na “última grande viagem”.

Com ou sem  Livro Tibetano dos Mortos, sabemos muito bem que um filme que mistura especulações sobre vida após a morte, sexo, efeitos de psicoativos (em grande escala) com tragédia familiar, teria tudo para incitar inúmeras discussões religiosas, morais e dogmáticas que inevitavelmente acabariam por ofuscar sua qualidade. Porém, Noé sabiamente acrescentou um artifício que neutralizou todos estes possíveis problemas e acabou ,literalmente ,por anestesiar sua platéia, que através do brilhante manuseio da câmera passa a assumir o lugar de personagem principal, deixando todas as questões ideológicas de lado . Durante todo o tempo somos levados - em uma viagem panorâmica, extremamente incômoda e psicodélica- a transpor paredes, participar de diálogos e cenas picantes, entrar em bares e boates, voar pela cidade de Tóquio , participar da infância sofrida dos dois irmãos, enfim, acabamos por nos tornar Oscar. E garanto a vocês: o efeito da experiência é único e genial.

Apesar de fiel amante, não possuo nenhum grande conhecimento técnico sobre cinema. Li alguns livros, assisti alguns documentários sobre produção, história e estética cinematográfica, mas nada muito sério. Ainda assim, o pouco que sei ja é suficiente para compreender que o novo filme de Noé explorou recursos e temas ate então adormecidos e que conseguiu reafirmar com excelência sua maior qualidade: o manuseio visceral de tensões físicas e psicológicas. Além disso, sua película foi, mais uma vez, uma grande contribuição no sentido de revolucionar a maneira como os espectadores apreendem o que esta sendo exibido na grande tela, provando que em tempos de tecnologia 3D e saturação de computação gráfica, sensibilidade artística e boas ideias ainda são as características verdadeiramente essenciais à um bom filme. 

Recomendo!

Créditos para o amigo (e cineasta) Julyano Abnner, que me apresentou este grande filme.

2 comentários:

  1. Belo texto Quel. Quando terminar direito bora pro cinema, tu vai se dar bem, já tem um senso crítico bom, é só desenvolver a técnica e já era. Ai o pepito pode co-dirigir suas produções. Hahaha

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  2. -

    Convite
    Passei por aqui, para lê o seu blogue.
    Admirável. Harmonioso. Eu também estou montando um. Não tem as Cores e as Nuances do Vosso. Mas, confesso que é uma página, assim, meia que eclética. Hum... bem simples, quase Simplória. E outra vez lhe afirmo. Uma página autentica e independente. Estou lhe convidando a Visitar-me, e se possível Seguirmos juntos por Eles. Certamente estarei lá esperando por você, com o meu chapeuzinho em mãos ou na cabeça.
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